quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Narciso às avessas

Naquela imagem baça
que eu via refletida no espelho
através das lágrimas
repudiei o que vi.
Encontrara meu igual
mas, talvez, por falta de amor próprio,
não me senti no ninho.

É que, saída do lamaçal
ainda havia barro nas penas de minhas asas
e quando cheguei a esta terra ensolarada
a lama secou formando uma crosta
que ressecava e rachava
e me pinicava toda.

Então eu não sabia
como era o calor do sol
sem aquela camada ressequida.
Mas veio uma chuva salgada
e me lavou com o iodo de Iemanjá:
então eu pude apreciar
aquelas flores dos cactos
que não são como a das roseiras
pois são mais belas
e crescem num solo árido
extraindo o melhor da seiva
e reelaborando-se
à parte do que é tido como o padrão.

Mas quem falou
que as rosas são superiores aos cactos?
Eu amo os cactos
que não espeta quem sabe tocá-los.

A fissura no espelho se abriu
e o reflexo ficou mais nítido:
é que também eu era um cacto.
Mas não sabia.

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